8.9.04

Carta aberta aos jornalistas

Meu nome é Leonardo Freitas. Brasileiro, arquiteto, servidor público. Sem filiação político-partidária. Como mais um dos bombardeados pelo lixo diário que os órgãos de imprensa vomitam em cima do cidadão, e ninguém mais além disso, venho me manifestar sobre a "polêmica" fabricada em cima do projeto do Conselho Federal de Jornalismo, aliás, tão artificial quanto a maioria das "polêmicas" criadas pela mídia para afastar a atenção da sociedade dos fatos realmente importantes.

Tomei conhecimento do assunto por meio dos órgãos de imprensa, que aproveitavam o episódio para comparar o atual presidente aos presidentes militares, dentre outros exemplos de imparcialidade jornalística. Estranhamente, nada as reportagens falavam do projeto em si. Nenhuma novidade, é uma técnica jornalística clássica de formar opinião sem informar ninguém. No caso, porém, resolvi investigar.

Um dos primeiros fatos que descobri é que o projeto em pauta não é de autoria do governo, mas sim da Federação Nacional dos Jornalistas, criado pela tal após anos de debate sobre o assunto. Pensei logo: "hum, foram jornalistas que redigiram o projeto, então o texto deve estar ruim mesmo. Vai ver o problema é esse". A despeito dos éticos jornalistas estarem atacando o governo por causa de um projeto de autoria da FNJ, pelo Executivo apenas encaminhado ao Congresso, consideraria válida a polêmica caso o projeto de lei contivesse, realmente, os tais artigos "autoritários". Então busquei o texto do projeto em si, que achei no site da ABI, e dei particular atenção à leitura dos artigos mais criticados. Comecei pelo Art. 1º, §1º:

"§1º - O CFJ e os CRJ têm como atribuição orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo."

Não vi nada de errado nessa redação. Todas as profissões dignas de assim serem chamadas são reguladas dessa forma, em geral por seus Conselhos, Ordens ou coisa que o valha. Se um advogado apronta, responde perante a OAB. Se eu projeto uma casa fora das normas, ou uma laje cai na moringa de um usuário do edifício de minha responsabilidade, eu respondo perante o CREA. Nada mais justo que, se um jornalista escrever uma notícia mentirosa, falsa ou difamatória, ele responda por isso perante seu Conselho. Toda profissão é assim, aliás, a vida em geral é e tem que ser assim: cada qual deve ser responsabilizado por suas próprias trapalhadas e canalhices, e assumir as conseqüências delas. Tentar fugir disso, além de ser um comportamento infantil, só pode ser típico de profissionais de má-fé, que buscam com a profissão tudo, menos cumprir sua missão e informar o público.

Talvez o problema seja, então, a exigência de observância dos princípios de ética e disciplina na profissão. Entre pessoas com um pouco mais de informação, é comum se ouvir sonoras risadas ao se compor uma única frase que associe a palavra "ética" com "jornalistas" ou "imprensa". Não duvido que seja também assim entre os próprios profissionais, se é que merecem ser assim chamados aqueles que temem a regulamentação profissional, único fator capaz de definir uma profissão como tal. Os "jornalistas" também não gostaram do Art. 3º, inciso IV, que define uma das atribuições do futuro Conselho:

IV - exercer a fiscalização do exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo;

Não querem ser fiscalizados, coitados. Qualquer fiscal do CREA pode fiscalizar o trabalho de um engenheiro, isso é considerado sintoma de uma sociedade minimamente evoluída. Os olimpianos jornalistas, por sua vez, querem estar acima disso, querem se sentir como semideuses da redação, falando o que quiser, de qualquer um, de qualquer situação, e não responderem por eventuais calúnias e abusos em foro profissional. E um outro protesto coligado a estes me fez entender a afirmação do presidente, e fazer coro com o barbudo ao chamar os jornalistas de "covardes!". Vejam só o dispositivo que eles querem vetar, no Art. 2º, §XV:

"XV - fixar normas sobre a obrigatoriedade de indicação do jornalista responsável por material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado em qualquer meio de comunicação;"

Não bastasse tudo, ainda essa! Os covardes não querem sequer assumir o que escrevem! Querem a proteção do anonimato, quem sabe, para não serem reconhecidos na rua como os picaretas que são. Ou quem sabe, não querem ouvir dos filhos adolescentes em casa: "por que você fala tanta mentira no jornal, pai?". A desculpa dos covardes é o medo de represálias pelo conteúdo das reportagens. Nessa lógica, porém, nenhum juiz mais assinaria uma sentença, um promotor um parecer, um delegado um inquérito. Eu não mais precisaria assinar nada do que fizesse, e se algo desse errado, que seja!

Pois é essa a lógica que impera na imprensa, e que querem que continue a imperar. A confusão entre a liberdade de imprensa e algum suposto direito à mentira; entre o dever de informar o público e a manipulação da opinião pública; entre o direito a uma linha editorial e a ausência de um marco regulatório. Embora eu não acredite que a criação do CNJ nos moldes propostos vá ser capaz de acabar com a imprensa marrom, acredito que regulamentar o exercício das profissões, não só do jornalismo, seja sintoma de uma sociedade minimamente civilizada. E mais, o estabelecimento de punições para os jornalistas que exerçam sua profissão de forma irresponsável não atenta contra a liberdade de imprensa, e da mesma forma são, justamente, estabelecidas tais punições para picaretas de todas as outras profissões.

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