18.8.04

A grande farsa cristã
por Francisco Saiz

É surpreendente que muitas pessoas nunca se questionem sobre a possibilidade de estarem acreditando em uma farsa. Vivemos num mundo em que as conquistas tecnológicas beneficiam as vidas de bilhões de pessoas. A comunicação integrou de forma espantosa o planeta. Novos remédios são descobertos todos os dias, e uma cura que é conquistada pela ciência em outro canto do mundo, logo chega até nós. Se algum ditadorzinho inescrupuloso está a maltratar seu povo, logo ficamos sabendo. Se não fazemos nada quanto a isso, esse é um outro problema que foge ao escopo deste texto. Assistimos na televisão a forma como as mulheres são tratadas no Afeganistão, e nos indignamos.

Vivemos numa era em que a Voyager, um artefato humano fruto de bilhões de anos de evolução da vida, está hoje viajando para fora do sistema solar, rumo a algum outro sistema estelar, levando consigo todo o conhecimento e conquista da humanidade. Uma época em que observamos os confins do Universo pelo telescópio espacial Hubble, e a cada nova descoberta somos obrigados a aumentar a idade do Universo.

E então, numa tranqüila noite, recebemos a notícia de que a primeira fase do processo de pesquisa do genoma humano já foi concluída. Em seguida, ouvimos o presidente americano, certamente um homem culto, dizer que “desvendamos o alfabeto com que Deus escreveu a vida”, como se essa idéia do criacionismo tivesse em alguma coisa contribuído para essa descoberta!

Agora os crédulos de todo o mundo querem se apropriar dessa que é, sem dúvida nenhuma, uma das grandes conquistas da genética, uma ciência que tudo deve à Teoria da Evolução. Com que direito aqueles que sempre combateram as idéias evolucionistas querem agora trazer para si os frutos dela? Isso é fácil de explicar:

Os criacionistas não podem mais contestar a genética como o faziam no passado. Não faria sentido continuar numa batalha na qual eles já estão derrotados. Se não podemos com eles (geneticistas)-- imagino os criacionistas dizendo -- então juntemos-nos a eles. Então, agora, mudaram de estratégia: os genes são o alfabeto de Deus. Isso traria a genética convenientemente para o lado deles, e poderiam continuar combatendo a evolução. Como se fosse possível desvincular genética de evolução.

Mas por que não se rendem aos fatos e aceitam que a evolução existe? Porque isso contradiz a criação bíblica. Se por um lado, cristãos educados já aceitam a evolução, e o próprio Vaticano – o grande bastião criacionista, já tenta conciliar as duas idéias (algo inconciliável), por outro lado o que observamos é que a grande maioria da população não tem acesso à ciência, e suas descobertas são sempre mal compreendidas.

A ciência requer, cada vez mais, um pensamento sofisticado e uma matemática fora do alcance da grande massa e, conseqüentemente, aqueles que se encarregam de transmitir a notícia, quando o fazem, normalmente procuram traduzir isso de uma maneira mais popular e simplista. Isso acarreta imprecisões e distorções. Disso se valem os religiosos – ou por maldade ou por ignorância, não importa – para manipular esses noticiários e dá-los mastigados aos seus seguidores, de uma maneira que não permita despertar raciocínio inconveniente. Raciocínio esse que, de qualquer forma, não estão acostumados os mais crédulos.

Mas qual o problema para os cristãos em contradizer a criação bíblica? O ato da criação impõe, no livro do gênesis, a idéia de que tudo foi criado tal qual o vemos. Deus foi inventado, inclusive, para justificar porque tudo o que vemos foi criado. A Teoria do Big Bang já acabou com a necessidade de um Deus para criar o Universo. Mas resta ainda explicar a criação do homem e o surgimento de uma consciência. Então, restaria a Deus ainda um espaço para criar algo: a vida.

Ora, se Deus não criou a vida, então todo o mito da criação cai por terra. Muitos cristãos já não levam a sério o conto da criação de Adão e Eva, mas não se apercebem das implicações disso. Ao desabar a crença na criação do homem, a avalanche começa. E essa avalanche leva consigo o mito do pecado original.

Se o pecado original é uma fábula, então toda expiação fica sem sentido. Toda expiação fica reduzida ao que é: uma crença que surgiu do impulso humano primitivo de achar que, se fizermos algo errado e, em seguida, algo acontecer de ruim para nós ou aqueles que amamos, é porque deixamos os deuses enfurecidos.

E uma forma de abrandar a ira dos deuses é oferecer sacrifícios, que serviriam para expiar (redimir) a culpa dos pecadores. Por isso, desde a pré-história, seres humanos e animais eram jogados em vulcões ou em poços, ou horrivelmente mutilados antes de serem mortos em altares, ou então eram queimados (“em sacrifícios de agradável odor para o Senhor, consumidos pelo fogo” – Números 28:2) nos altares manchados de sangue inocente.

Quanto maior o pecado, tanto maior o sacrifício exigido. De pombos para os pecados mais cotidianos, passando por ovelhas, novilhos e bodes (daí o termo “bode expiatório), até touros e mulas. Pecados maiores eram expiados com a morte das mulheres ou homens pecadores. Um cordeiro, o maior de todos, pagou pelo maior de todos os pecados humanos, por todos os humanos. Segundo a tradição cristã, o Cristo, o Salvador, o Redentor, teria morrido na cruz para a expiação maior. A partir dele, consideram os cristãos, estaríamos limpos perante Deus. E estaríamos agora na era da Graça. Sem mencionar que isso encerra uma moral de cunho duvidosa e desconcertantemente inválida (ninguém pode pagar pelo crime de outro – isso não é justiça), a doutrina da expiação de Cristo cai por terra também na avalanche que derrubou o mito da criação, pois não houve o pecado que originou o sacrifício.

Resumindo: a evolução desbanca a criação do homem. Isso nos leva a concluir que o pecado original é um conto fantasioso. Se não houve o pecado original, então toda expiação fica sem sentido. Se a expiação não faz sentido, então a idéia de um Salvador que morreu por nós na cruz cai por terra. E, com isso, os 2000 anos de cristianismo se tornam apenas o que é, uma história de ignorância e fé num falso mito perpetuada através de guerras e perseguições, intolerância e fanatismo, uma grande farsa sustentada através do medo e da culpa, a Grande Farsa Cristã.
Este artigo está publicado originalmente no site Sociedade dos Cientistas Mortos

2 comentários:

Anônimo disse...

Em respeito, escreveu "Deus" com letra maiúscula. Deus o perdoará.

Mininim® disse...

Amém! Deus cuide de vocês!